11 de agosto após assistir Cursed

 Kleber Chaves [1]

kleber.chaves@enova.educacao.ba.gov.br

 

Pensando em refletir um pouco sobre o simbolismo que uma data como o dia do estudante (11 de agosto) carrega, pareço ter encontrado em um outro objeto alguns pontos a partir dos quais discorrer. Preciso adiantar que, no último final de semana concluí a primeira temporada da série americana Cursed - que no Brasil ganhou o sobrenome de “a lenda do lago” - e que desde lá estou as voltas com algumas ideias que queria compartilhar com vocês.

 

Imagem: https://trilhadomedo.com/2020/07/leia-o-livro-que-originou-cursed-a-lenda-do-lago-serie-da-netflix/

Observação: Olha, eu vou deixo os detalhes técnicos da série (classificação indicativa, autor, direção, enredo detalhado, trailer etc.) a cargo do site da própria Netflix e do portal Adoro cinema.

Nível de spoilers: muito baixo.

Dicas para leitura: No texto vocês vão encontrar alguns números acima de algumas palavras. Isso indica que eu escrevi uma nota de rodapé para aquele assunto. Você pode ler lá no final do texto. Vão reparar também que algumas palavras estão sublinhadas, isso significa que elas dão acesso a um link que vai direcionar você para alguma coisa (texto, vídeo etc.). Agora sim, ao texto!

  Não, a série não trata dos dilemas da vida escolar – ainda que esteja em época da Escolástica[2]. Contudo, percebi que havia nos dois grupos (expressões comunitárias / tribos / sociedades) mais expressivos – os feéricos e os paladinos vermelhos – a ocorrência do cultivo de um certo tipo de conhecimento/saber que ambos os povos desejavam preservar (feéricos) e perpetuar (paladinos).

Os paladinos tinham convicção irrestrita e absoluta (que perigo!) de que possuíam A verdade e que aquela sua verdade precisava ser conhecida por todas as pessoas, de todos os cantos. Um dos aspectos dessa verdade que eles carregavam era a existência de dois grupos de pessoas, aqueles que eram fiéis a verdade (paladina) e aqueles que não eram.

Enquanto isso, os Feéricos também possuíam saberes, contudo, havia uma diversidade entre esses saberes e as visões que se tinham deles, por isso mesmo, não era uma só. Os feéricos – no contexto da série muito ameaçados – de alguma forma lutavam para que esses saberes fossem preservados, para que não morressem com eles.

Há de comum entre um e outro povo o conhecimento, a cultura que se “acumulou” geração após geração e que: a) os paladinos queriam perpetuar sem nenhuma alteração, pois era a verdade absoluta; e b) os feéricos queriam preservar, já que com a morte de muitos deles a sua cultura (plural) também estava morrendo.

Imagem: https://www.jornalgrandebahia.com.br
- Bom, e o que a educação e o dia do estudante tem a ver com essa história? Estivéssemos na sala de aula alguém já teria perguntado.

Ocorre que essa preocupação que paladinos e feéricos tinham com a preservação e perpetuação de sua cultura talvez seja um grande problema educacional.

Sim! Quero chamar atenção, aqui, para dois pontos. Primeiro, para o valor dado ao conhecimento e, segundo, para o modo como esse conhecimento era legado para as próximas gerações.

Como os paladinos tinham certeza absoluta da verdade que carregavam - valor do conhecimento = absoluto e imutável - , podemos inferir[3] que a educação para eles seria como “[...] o ato de depositar, de transferir, de transmitir valores e conhecimentos, não se verifica nem pode verificar-se esta superação” (Freire, 2011, p. 34). Ou seja, as pessoas tinham que conhecer aquela verdade (que era A única) e “enfiá-la” em suas cabeças, custasse o que custasse.

Isso gera um grande problema – na série e aqui na vida real – era necessário aceitar aquela verdade... Mas, os feéricos tinha outras verdades, outros conhecimentos que geravam outras formas de viver e de pensar, que os tornavam tanto diferentes em relação aos paladinos quanto em relação a outros feéricos: os feéricos eram diversos.

Por isso, entendendo que para os feéricos o valor dos seus conhecimentos

Imagem: https://kimcartunista.com.br
era relativo. No caso, relativo a cada subgrupo de feéricos, o que talvez nos permitisse dizer que a educação para eles “já não pode ser o ato de depositar, ou de narrar ou de transferir, ou de transmitir ‘conhecimentos’ e valores aos educandos, meros pacientes” (Freire, 2011, p. 39) de modo que “o seu conteúdo programático já não involucra finalidades a serem impostas ao povo, mas, pelo contrário, porque parte e nasce dele, em diálogo com os educadores, reflete seus anseios e esperanças” (Freire, 2011, p. 59).

Diante dessas duas diversas concepções de educação e da data comemorativa, eu pergunto: que tipo de estudante/educando/aluno você tem sido? Em que educação você acredita? Em qual tem se formado nesses anos todos de escola?

A escola é um lugar de verdades absolutas que você precisa enfiar em sua cabeça? Ou um lugar de alguns conhecimentos dos quais você vai se aproximando e se afastando, conforme te afetam?

 | Bom, aqui eu vou dar uma pausa, o texto já está ficando muito grande. Vou continuar refletindo sobre a série em um próximo momento. | (isso aqui foi como um “Continua...”)

CLIQUE AQUI E LEIA A PARTE 02 DO TEXTO (atualizado em 15 out. 2020)

 Para indicar uma saída (entre outras possíveis) para tantas perguntas, busquei no dicionário Houaiss (2009, s/p) a palavra aluno, tendo sido capturado pela origem da palavra (sentido etimológico) alumnus,i  criança de peito, lactente, menino, aluno, discípulo”.

Daqui se depreende que ser aluno está ligado a se nutrir. No caso, nutrir-se de conhecimentos. E o que seria – rápida alusão – o processo de nutrição? Tomar as energias (nutrientes) de um alimento para transformá-las em novas energias que permitem a vida. Não nos tornamos o alimento que comemos (não tenho nenhum aluno maçã ou brigadeiro). Mas, quando temos acesso a alimentos mais nutritivos – o que também implica em mais diversificados -, nos tornamos mais saudáveis.

Imagem: www.borelliacademy.com.br

Por analogia, quando “nos alimentamos” de diversos saberes, tomamos as “energias” dos professores, dos colegas, dos livros, textos, músicas (...), do mundo e podemos fazer dessa energia algo a nos tornar mais saudáveis. A regra da diversidade que valeu para o alimento do corpo, também vale pro intelecto, quanto mais diverso, melhor.

 

Felicidades, saúde e forças (nutrientes) a todos nós, estudantes!   \o/

 

| Fique em casa o quanto possível. Saindo, vá de máscara |

 

Referências

CURSED. Criação de Frank Miller; Tom Wheeler. EUA: Netflix, 2020. 10 episódios (50 min. cada). Disponível em: https://www.netflix.com/br/title/80199393. Acesso em: 11 ago. 2020.

FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. 17 ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.

HOUAISS, Instituto Antônio. Dicionário eletrônico Houaiss da língua portuguesa. Ed. Objetiva, 2009. [versão digital]

 


[1] Licenciado em Filosofia (IFNSV/CEUCLAR). Especialista em Interdisciplinar em Estudos Sociais e Humanidades (UNEB). Mestrando em Ensino (PPGEn/UESB). Atua como professor regente de Filosofia na rede de Educação básica do Estado da Bahia (SEC/BA). Lattes ID

[2] Pensamento cristão da Idade Média, baseado na tentativa de conciliação entre um ideal de racionalidade, corporificado esp. na tradição grega do platonismo e aristotelismo, e a experiência de contato direto com a verdade revelada, tal como a concebe a fé cristã (Houaiss, 2009, s/p)

[3] Pessoal do 3º ano, lembrar das aulas de lógica no 2º ano. Demais alunos, sugestão de vídeo aqui.

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