15 de outubro, concluindo ideias do 11 de Agosto: Cursed, a vida e a docência

 Kleber Chaves [1]

 

(Este texto é a continuação do texto “11 de agosto após assistir Cursed”)

Observação: Como no outro texto, os detalhes técnicos da série (classificação indicativa, autor, direção, enredo detalhado, trailer etc.) podem ser lidos nos sites da Netflix e do portal Adoro cinema.

 


Interrompi o último texto perguntando sobre o que os conhecimentos escolares representam para você. Essa pergunta poderia nos levar a outro ponto: qual a sua visão de mundo? Como você enxerga a realidade, a si mesmo (a) e as pessoas? O quão a sério você leva as suas ideias e as das outras pessoas? Como você se relaciona com as diferenças de posição argumentativa, de opinião?

Bom, todas essas questões eu pensei lembrando da série que serve de plano de fundo a este texto. Na primeira temporada de Cursed, parecem estar bem definidas duas visões de mundo. A Paladina e a Feérica.

Caso retomem a primeira parte do texto (clique aqui) vão perceber que eu associei o valor do conhecimento dos paladinos como “absoluto”. Eles acreditam ter uma verdade para a qual dedicam a sua vida e desejam que as outras pessoas “absorvam” essa mesma verdade tal como ela é, sem mudança.

Por outro lado, indiquei que o valor do saber para os Feéricos era relativo, até porque existia dentro daquele povo subgrupos que tinham diferenças culturais uns dos outros. Isso nos faz entender que a cultura feérica é apresentada como plural.

O que isso tem a ver com a gente?

Bom, observando o nosso tempo (2020), penso que estamos vivendo em um momento no qual a “roupa” dos dois grupos da série (Paladinos e Feéricos) parece servir às pessoas de hoje.

Vejo pessoas extremamente convictas de “sua verdade”. Tão convictas que parecem estar cegas diante de fortíssimos indícios de que a sua verdade não é tããão verdade assim. Elas parecem não permitir nenhum espaço para dúvida. O que é uma pena, porque a dúvida é companheira indispensável de outras verdades, como as filosóficas.

Percebo também pessoas querendo IMPOR a qualquer custo a sua verdade, os hábitos decorrentes dessa sua verdade a outras pessoas. Mesmo que estas outras pessoas não tenham nada a ver com essa verdade, portanto com seus hábitos e costumes.

Diante disso, escrevendo na data que recorda o “dia das professoras e dos professores”, penso que a escola deve ser um lugar não de verdades absolutas, mas de inquietação.

Afinal, “nada do que foi será de novo do jeito que já foi um dia” (SANTOS; MOTTA, 2015, s/p). Outra forma de lembrar o que o filósofo Heráclito, dezenas de séculos atrás já tinha percebido e que parafraseio: não se pode banhar duas vezes no mesmo rio, pois outras serão as águas e outro é aquele que se banha (Heráclito, 2017, frag. 12 e 49a).

- Professor, com isso está, claramente, tomando uma posição.

- Sim, estou.

- Mas o professor precisa ser neutro.

- Neutralidade é um mito. (Sim, podemos falar disso em outro texto)

Estou mostrando o que Jonh Locke apresentou a rainha Cristina na idade moderna em sua “Carta acerca da tolerância”. Ainda que guarde reservas de muito do que escreveu, parece mesmo que para que haja tolerância, é preciso que todas as pessoas e ideias sejam tolerados. Isso é, que as pessoas possam ser e pensar diferente uma das outras. Calma, há limites.

O inglês, contudo, aponta uma exceção: não podemos ser tolerantes com os IN-tolerantes, pois estes desequilibram a possibilidade do ser e pensar livre e divergentemente: “porque sei que muitos há que, como os cães que ladram sempre aos desconhecidos, também condenam e odeiam o que não compreendem” (LOCKE, 1991, p. 26).

Olhando de novo para o tempo de hoje, penso - Sim, Locke! Você tinha (alguma) razão. Para que a diversidade (feérica e a nossa) sobreviva é preciso impor limites às convicções intolerantes (como a dos Paladinos de ontem e de hoje).

Educar é o caminho que tenho para tentar apresentar a estes paladinos (de hoje) a existência de tantas outras maneiras de ser, pensar e agir. Apaguem as fogueiras!

 

O começo na docência (acervo pessoal)

Cuidem-se! Usem máscara! Sigam as recomendações sanitárias. Preservem vidas!

REFERÊNCIAS

CURSED. Criação de Frank Miller; Tom Wheeler. EUA: Netflix, 2020. 10 episódios (50 min. cada). Disponível em: https://www.netflix.com/br/title/80199393. Acesso em: 11 ago. 2020.

HERÁCLITO. Fragmentos in: ANAXIMANDRO. PARMÊNIDES. HERÁCLITO. Os pensadores originais. Petrópolis, RJ: Vozes, 2017 (Vozes de bolso)

LOCKE, John. Carta acerca da tolerância. São Paulo: Abril Cultural. 1991. (Coleção Os Pensadores).

SANTOS, Lulu. MOTTA, Nelson. Como uma Onda (ao vivo). YouTube, VEVO, 2015. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=XFa73hlzR-4 Acesso: 14 out. 2020.



[1] Licenciado em Filosofia (IFNSV/CEUCLAR). Especialista Interdisciplinar em Estudos Sociais e Humanidades (UNEB). Mestrando em Ensino (PPGEn/UESB). Atua como professor regente de Filosofia na rede de Educação básica do Estado da Bahia (SEC/BA). Lattes ID

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Filosofia no tempo de isolamento - Orientações para os estudantes

APELO - Universo paralelo: o que acontece nos hospitais quando os abraços, as aglomerações e a indiferença se propagam nas ruas